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Já não quero ser superwoman, agora só anseio estar

Já não quero ser superwoman. Antes, não queria ser medíocre e busquei me destacar em tudo até me esgotar. Mas também não quero ser, agora o que desejo é estar. É cansativo querer ser — já sou o meu ser. Agora, tenho vontade de estar onde a vida me colocar; no meu sofá, entre a foto da minha mãe, que me vê do céu, e uma montanha de lembranças, diários, cartas, livros e canetas. Estar com a caneta na mão e o caderno na mesa. Sou porque estou. Sou escritora porque estou escrevendo, sentindo, chorando e fluindo no papel. Querer ser é extenuante, e querer ser superwoman é ainda pior. É um suicídio, uma afronta à minha natureza delicada e frágil, à minha feminilidade.


Ontem pensava na dificuldade de querer ser e fazer tudo bem: mãe, mulher, esposa, profissional, amiga... Necessitando de compaixão, liguei para minha mãe entre lágrimas: “Mãe, me consola, senta ao lado da minha cama e acaricia minha cabeça, me dá tua compaixão como sempre fez e que nunca valorizei o suficiente”. Compreendi que a mãe é a fonte de compaixão. Sem eu saber, ela me entregou desde o primeiro instante uma fonte de amor e gentileza. Demorei para perceber esto. Então lhe disse: “Me perdoa, mãe, por não ser compassiva, por te pedir para ser uma superwoman e não te deixar estar triste cada vez que saíamos do consultório com um diagnóstico médico negativo. Me perdoa por te pressionar para buscar alternativas em vez de acariciar tua cabeça, te abraçar e te permitir chorar diante da notícia. Me desculpa por tentar ser forte e querer tapar a realidade com frases: 'Já sabíamos, o doutor já vem dizendo isso, não é nada novo...'. Quanta necessidade eu tinha de que você fosse uma superwoman e se curasse do câncer com medicina ou com xamãs, com ervas ou rezando. Me desculpa, mãe, me faltou compaixão. Me faltou estar com você, sem falar, sem planejar, sem querer ser ou fazer.


Encontro consolo ao pensar que ainda posso estar com você, embora já não na matéria terrenal, mas sim na sutileza universal. Ainda posso sair ao jardim como você fazia, e ali sentir você e me sentir, e ser eu para você. Ainda posso me sentar no meu sofá ao lado do seu retrato e conversar diante da compaixão do teu olhar e teu sorriso. Ainda posso estar com tua energia e tua lembrança, com tuas palavras no coração.


Te conto, mãe. Passei várias semanas sem ânimo, me sentindo estagnada, sem direção, sem te visitar nem no retrato nem no meu coração, sem visitar meus desenhos nem minhas plantas, sem sair para respirar a natureza e o sol. Então, durante um evento escolar do Felipe, que era em um lindo parque, me aproximei de uma árvore, apoiei a mão no tronco e disse: “Onde estão minhas raízes? Onde está minha mãe? Onde estou eu? Estou longe de mim. Me ajuda”. E ele me respondeu: “Nas suas mãos. Suas raízes estão nas suas mãos”. Agradeci e fui caminhar enquanto Felipe participava do evento.


Minhas mãos são minhas raízes, me conectam. Com cada palavra, me submerjo em uma rede que me liga a tudo e a todos. Com razão escrevo à mão, minhas letras. As raízes vivas do meu ecossistema se entrelaçam com um sem-fim de palavras em uma linguagem universal. Sabia que do universo fluem as mensagens, ideias, histórias e que no corpo se refugiam as lembranças, mas ignorava que era através das minhas mãos e dos traços que nascem dos meus desenhos que essas mensagens se conectam à energia da terra. Chegam até mim como magia invisível, energia delicada que eu devolvo desenhando palavras na folha. Materializando sussurros. Em cada letra se renovam meus laços terrenais.


Adorava te contar essas descobertas, mãe, você sempre me ouvia e dizia: “Eu quero viver isso também”. Não me via como louca, me entendia. Me consola saber que te dei um pouco dessa experiência ao compartilhar minhas anedotas, aprendizados e minha maneira de ver a vida, sempre em mudança.


Mas também me resta uma tristeza, mãe, por não ter sentido mais falta de você enquanto você estava viva. Me dói não ter esperado com mais anseio tuas visitas de Nicarágua a San Francisco, porque tinha a certeza de que sempre iria te ver. Me entristece não ter desejado compartilhar mais coisas com você, te ligar ou atender o telefone com mais entusiasmo. Me deixa um gosto amargo não ter querido ouvir teus conselhos quando sabia que você os daria. Agora faço tudo que você me dizia. Lavo o rosto e seco com um Kleenex e não com a toalha de mão que, embora eu trocasse diariamente, sempre estava suja. Tal como você recomendou, graças a isso sumiram aqueles pontinhos vermelhos que eu tinha nas bochechas, embora durante anos eu tenha teimosamente dito que não faria, que você era teimosa, que aquilo era coisa sua e outros pretextos mais, gastando dinheiro em cremes que não serviam porque o problema era a toalha suja. Tudo por não querer te ouvir. Agora, todas as manhãs, te agradeço em silêncio pela dica do Kleenex.


Por que não fiz isso antes? Me dói aceitar que te contrariei tanto e, ao contrário de você, eu realmente te via como louca e fiz questão de dizer. Como com o pão no congelador. Nunca aceitei que era a melhor maneira de conservar e que sabia até melhor uma vez aquecido. Agora tenho meu pão duro no freezer, coloco no tostador por alguns minutos e sabe igual ou até melhor. Já não tenho que ficar jogando fora pão com mofo por ter deixado do lado de fora. Quisera ter feito isso quando você podia ver e, embora saiba que agora você está orgulhosa de mim por aprender e de você por me ensinar, eu queria ter compartilhado isso quando podia ouvir sua voz. Com certeza você diria: “Viu, te falei, mocinha”.


Gostaria de ter sentido mais sua falta em vida, de me surpreender, me emocionar a cada dia com você e por você. Queria ter me alegrado com tua presença, tuas palavras, teus conselhos. Sentir tua falta quando, por causa da distância, não te via por longos meses. Aprendi a sentir falta de Ricardo quando sai para fazer compras, quando vai passear, quando não o vejo o dia todo e dos meninos quando vão para a escola, pensar neles. O que estão fazendo, como se sentem? Sentir falta deles, querer que voltem logo. Pensar mais e sentir as pessoas que amo e que não estão perto neste momento. Ser consciente de que a vida é frágil e podem não voltar.


Mãe, agora converso contigo como antes, mas te escuto mais. Você pode acreditar, mãe, que estamos entrando no primeiro ano da tua morte e no mês em que vai nascer meu terceiro filho? Junho, para mim, um mês de vida e de morte. E de vida e vida. Sua alma está prestes a entrar no plano terreno, que é o caminho para a vida eterna que você já desfruta, e não é por acaso. Aprendi neste último ano a abraçar mais, consentir com alegria, esperar com entusiasmo, amar sem condições e sentir falta em vida.

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Guest
Jun 09, 2024
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O texto trás uma explosão de emoções que todos experimentamos e muitas vezes sufocamos porque não as expressamos… Falar com alguém que já se foi pode ser muito curativo Mais uma vez Gina se superou 👏👏👏

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